Estas são as minhas mutações caleidoscópicas. Aqui somente existirá pensamentos, sentimentos e emoções desconexos. Para entende-los deverá apenas girar, para que as palavras, assim como as cores, possam contar a história e talvez fazer algum sentido.
- TLT
- São Paulo, SP, Brazil
- "Eu sou à esquerda de quem entra. E estremece em mim o mundo. (...) Sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro. Sou um coração batendo no mundo." (Clarice Lispector)
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Marina Colasanti - parte 2
Eu sei, mas não devia
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz. E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão. A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá pra almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos. E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer filas para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra. A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes. A abrir as revistas e a ver anúncios. A ligar a televisão e a ver comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. A gente se acostuma à poluição. As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. A luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. A contaminação da água do mar. A lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta. A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Marina Colasanti - parte 1
Vou postar alguns poemas de uma escritora que estou descobrindo e me apaixonando.
Marina Colasanti
Sexta-feira à noite
Os homens acariciam o clitóris das esposas
Com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
Contam dinheiro, papéis, documentos
E folheiam nas revistas A vida dos seus ídolos.
Sexta-feira à noite
Os homens penetram suas esposas
Com tédio e pénis.
O mesmo tédio com que todos os dias
Enfiam o carro na garagem
O dedo no nariz
E metem a mão no bolso
Para coçar o saco.
Sexta-feira à noite
Os homens ressonam de borco
Enquanto as mulheres no escuro
Encaram seu destino
E sonham com o príncipe encantado.
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
S.O.S
O máximo que consigo fazer é uma espécie de rosnado dolorido.
Meus músculos estão tão tensos que a única coisa que eu consigo, é falar baixo, devagar e principalmente somente o necessário.
As horas demoram para passar... eu não queria estar aqui...
Eu queria estar em outro lugar, fazendo outras coisas, aprendendo outras coisas.
Parece que quero desesperadamente não ser eu !
Talvez o fato de simplesmente não estar aqui já fosse o suficiente.
A dor iria parar, mas ainda não é o bastente...
O que eu mais queria agora, é que aquela moça de olhos azuis me ligasse e mudasse minha vida...
Mas o telefone não toca, a porta não se abre, nada muda.
Eu rezo desesperamente pela mudança! para que alguém em ajude, não só me tire daqui! Mas me liberte!
Meu grito é choroso, desesperado, e tão alto que minha pele treme!
Me liberte por favor...
Por favor....
Ao menos me tire daqui!!!
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Cenas de uma noite qualquer
Estou no ônibus voltando pra casa.
Me pego tendo pensamentos obscenos e olho ao meu redor, parece que algumas pessoas me olham. Me sinto envergonhada e tento mudar o rumo dos meus pensamentos, “Nem aqui me sinto liberta”
Tem um moço bonito que me olha, ficamos neste pequeno e improdutivo flerte até eu descer.
Eu gostaria de ouvir os pensamentos dele... ou não, talvez sejam mais obscenos do que os meus.
Cena 2
Chego em casa , minha cachorrinha quebra a sensação de abandono. As coisas nunca mais foram as mesmas depois que eu mandei “ele” embora. Tento me convencer que estou melhor agora, já que estou liberta.... “Mas liberta do que mesmo???”
Mal posso sentar no meu sofá, está tão velho que quando me deito nele parece que levei uma surra. Penso “preciso trocar este sofá, ou talvez devesse somente jogá-lo fora, sobrará mais espaço neste apartamento minúsculo, colocaria um bom tapete e almofadas , e pronto, ficaria lindo!! “ .... talvez...
Mais planos.... como pintar um quadro, reformar o banheiro, fazer regime, ganhar dinheiro, transar pelo menos 3 vezes por semana.... Alguns planos parecem ser totalmente inviáveis.
Cena 3
Depois de um banho quente e demorado me visto e deito nua na cama. Ouço o meu vizinho rico chegar.. “ Ele iria ficar doido se me visse assim” . Desde que me mudei para cá ele me flerta o tempo todo. Sinceramente não sei, o que um cara 20 anos mais velho do que eu, vê em uma garota como eu... sim apesar de ter 25 anos ainda me considero uma garota, “Sou uma merda de uma retardatária mental”. Mas enfim... na verdade eu sei o que ele quer, e oferece jantares, viagens e presentes caros para me conquistar. “Ele acha que sou uma prostituta não é possível”. Se eu sou fosse pelo menos iria querer receber em dinheiro, pelo menos iria gastar com algo que não me lembrasse ele”.
Cena 4
Me visto e vou para a cozinha comer alguma coisa, como algo que eu não deveria, me sinto mal por ingerir tantas calorias e pensar que elas estão inchando meu quadril. Mas continuo, “Amanhã eu começo o meu regime”... Mais planos...
A Internet e a televisão disputam quem é mais fútil e inútil. “Há controvérsias eu sei”, mas sou do tempo que para se obter uma informação útil e interessante eu devo recorrer a um papel não a uma tela... “E eu ainda me acho uma garota” ... rs...bizarro.
Neste apartamento minúsculo no centro, não consigo me abster dos barulhos, mas até que gosto deles. Quando pego meu violão e desafino algumas notas parece que esta cidade me ouve e conversa comigo, "essa ilusão é que me mantém aparentemente sã".
Cena 5